terça-feira, 26 de outubro de 2010

Red Line

Um emaranhado de linhas tênues que formavam um tipo de tecido de um tom magenta que com toda a certeza, a humanidade nunca conseguiria obter. Era puro. Solto. Vivo. Aveludado, possuía um brilho que vagamente se assemelhava ao de seda. Mas o que eram os tecidos comuns perto daquelas tiras que contornavam a pele desnuda daquele belo rapaz? Nada. O restante era apenas uma imitação barata de tamanha perfeição.

O que são eles? Ora, que pergunta tola. Os sentimentos. Aquelas tiras entrelaçadas em cada ser vivo. Chamavam assim. Sentimentos. Possuíam diferentes cores, tamanhos, intensidades e belezas, mas todos eram puros. Os azuis mostravam o laço da fidelidade, lealdade, idealização e sonho. Alguns ousavam apelidá-los de ‘Amizade’. Os amarelos passavam a luz, o calor, o envolvente. Eu; possuía a mania estranha de chamá-los de ‘Admiração’. Já os vermelhos, há, estes eu deixo por último. O motivo de tal, é que, além de meus preferidos, eram os mais complexos. Afinal, neles misturavam-se duas vertentes. O magenta poderia passar o violento, o agressivo e a incompreensão, mas ao mesmo tempo, ele passava o desejo, o querer e o gostar. Este, claro, eu não deixaria de agregar-lhe um nome, que na verdade lhe fossem dois. O ‘Ódio’ e o ‘Amor’.

Destes, surgiam as outras inúmeras cores e combinações. E no corpo de cada indivíduo, notava-se diversos destes tecidos perfeitos que entrelaçavam com outros indivíduos. Quanto mais puro, mais brilhante e belo ele era. E o daquele garoto, devo admitir, era o mais belo que já havia notado. Sua cor rubra era tão intensa. Esgueirava-se por toda a sua volta, fiel a seu restante. Uma de suas pontas estava cravada em meio ao peito do jovem. Este, guardava aquela ligação com um punho cerrado. Não queria desprender-lhe dela. Do outro lado, uma ponta abandonada. Amarrada aos pulsos de um rapazinho, ela permanecia ali, forte, porém, ignorada. Mas o que ele poderia fazer? De seu peito já se desprendia outro tecido. Um de intensidade imensa, que perdia-se em outro corpo.

O rapaz pensava se deveria puxar aquela linha que o unia a alguém. Esta poderia mostrar-lhe algo de interessante do outro lado? Mas talvez, ela pudesse machucar a pessoa presa a ela. Em sua mente, eram apenas estes os pensamentos. Ele queria apenas admirar aquele tecido belo, e acima de tudo, o possuidor de sua outra ponta. Não lhe importava a ligação em si, e sim os componentes da mesma. Com medo das conseqüências, o jovem ergueu-se de onde estava, e começara a perseguir por entre aquela ligação. Ao seu fim, seus olhos se encaixaram a uma figura de tamanha beleza que seus lábios se tornaram impotentes, e suas cordas vocais não trabalharam. Mas afinal, do que elas serviam? Seus olhos disseram por ele no momento em que suas pupilas se dilataram. Esquecera por um momento a linha do vermelho perfeito, ou a linha do peito do outro indivíduo. A única coisa que importava agora era ele em si, e nada mais. Assentou-se então a seu lado, e com um olhar, prometera permanecer ali, até que aquele corpo estivesse totalmente completo.

O outro tentara mostrar que já possuía sua linha cravada ao peito, e que por isso não poderia aceitar a do rapaz, mas este permanecera imóvel. Dissera-lhe com as claras orbes que não desejava tirar do outro seus laços. Só queria apresentar-lhe a possibilidade de uma nova ligação, e que, mesmo se não aceita, para ele, era aquela que prevaleceria, mesmo se apenas um lado delas conseguisse atingir um coração.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

"Madame Butterfly"


O pincel serrilhado marcava o oshiroi. O pó espesso de farinha de arroz era levado à face. A pele aos poucos se tornava de um branco leitoso. Intenso. Artificial. Imortal. Depois era a vez do carvão em brasas, que deixava seu escuro rastro ressaltando não só as arqueadas sobrancelhas, como também os amendoados olhos asiáticos. As tão igualmente escuras orbes agora se voltavam ao beni. A pasta avermelhada de açafrão contrastava de forma violenta a mortificação branca do oshiroi. Aos poucos os ressaltados zigomas se enrubesciam intensamente, transmutando aquela fria e apática expressão pálida, em uma faceta tímida e inocente. O espelho era real e cruel. Nele estava estampada uma verdade um tanto dolorida. A beleza que ali estava, a que todos encantava, e que era fruto de tantos conflitos e disputas, nada mais era que uma máscara de maquilagem que encobria um rosto inseguro, bobo e sem nenhum grande atrativo.

Cansada de vislumbrar aquela certeza frustrante, a jovem cerrara os olhos e erguera-se do chão. Era hora de vestir algo que combinasse com aquele seu falso porte. Terminando a montagem de seu casulo, pôs-se para fora de sua casa. À porta, sua “tia” batera com duas pedras algumas vezes. O choque destas liberara algumas faíscas. O movimento era uma simbolização de desejo de sorte para a preciosa gueixa. A mesma deslizara pelas ruas japonesas, enfeitiçando os olhares ao redor. Em sua mente, um pensamento que fizera seus mínimos lábios em formato de coração se esgueirassem em um sorriso. Desejava em seu interior que a sorte a ela desejada pela mulher que chamava de tia fosse responsável por uma noite perfeita ao lado de seu amado. Sim, quando gueixa deixava-se apaixonar por um homem que entretia algumas vezes ao ano. O empresário visitava a cidade aproximadamente uma vez ao mês, e quando o fazia, quase sempre pedia pela presença de sua artista preferida.

A noite, como sempre, fora inesquecível para a bela jovem que, ao despedir-se do amado, não pôde mais conter o amplo sorriso. As palavras do homem não saiam de sua mente. “Daisuki”. Ele realmente lhe dissera isto. Então seu amor era correspondido. Só tinha que esperar mais dois meses e logo estaria em companhia dele novamente, e poderia se declarar.

Os dias se passaram, e a jovem continuava a esperar pela próxima lua minguante. Naquele dia, perdida em pensamentos, sua tia veio a ela e pediu-lhe que fosse até o mercado em busca de algumas especiarias. Com a ausência das jovens assistentes de sua casa, não pôde negar. Porém, no caminho de volta, decidira por passear pelos arredores. Postava-se agora em uma simples, mas belíssima, ponte de madeira sobre um singelo riacho. As cerejeiras à volta, lançavam ao ar pétalas de suas flores rosadas. Parte delas rodopiava ao vento em suas trajetórias elípticas, caindo sobre a límpida e cristalina água. Junto a elas, o reflexo de uma mulher. Os longos e lisos cabelos negros dela caíam-lhe a face. A pele branca e lisa contrastava com um olhar triste. Este insistia em comparar aquela feição com a face maquiada que comumente usava. Desejava ser tão bela quanto aquelas flores que desciam pelo córrego. Absorta em tais devaneios, não vira a noite atingir sua tarde, manchando o céu com uma preciosa lua cheia. Passara a pensar no empresário que em breve veria, e m sorriso espalhou-se por eu semblante. Porém, fora puxada de seu transe por uma voz grave e gentil.

- O que uma jovem tão bela faz a esta hora por aqui? – A voz vinha de um soldado. O rapaz trazia ao peito dois fortes braços cruzados.

Envergonhada, a gueixa tentou esconder sua desagradável feição, mas a gentil mão do militar a impediu, erguendo seu rosto pelo queixo. Seu toque macio era acompanhado de palavras doces e meigas. Elogios, admiração. A garota não conseguia entender como um homem daqueles poderia desferir tais coisas frente a uma mulher tão feia. Seu olhar de insegurança tomou novamente conta de sua face.

- Oh não! Não estrague tão belo rosto. Não percebes que é seu sorriso e confiança que lhe torna tão graciosa quanto estas cerejeiras que nos rodeiam?

Amedrontada, pôs-se a correr para bem longe. Porém, por mais que o fizesse, não poderia fugir de tais palavras. Palavras que lhe causavam algo que antes, só a maquilagem conseguira. Confiança. Com um sorriso marcando-lhe a face, correu pela cidade. Então notou algo. Os olhares das pessoas prendiam-se a ela, e não era por estar correndo. Prendiam-se por admiração. Assim como quando adentrava sua máscara por baixo dos luxuosos quimonos. Seu olhar então se voltara a sua imagem refletida em um espelho frente a uma simples loja. Seu sorriso ainda estampado, causou-lhe surpresa. Quem era aquela mulher maravilhosa frente a seus olhos? Mais bela que a gueixa que sempre via. Talvez, por que naquela, existia de fato a confiança e a alegria verdadeira, e não o falso ego da outra. Fora ali que percebera que, a lagarta que sempre se escondia no casulo das maquiagens, quimonos e em todas as suas habilidades que lhe foram impostas, estava pronta para liberar suas asas.

Naquela noite, deixara de lado a espera pela lua minguante, e passara a adorar a lua cheia, pois era esta que se assemelhava a ela agora. Uma lua completa. Voltara a encontrar-se com o soldado, e aos poucos, percebera que as palavras de seu empresário nunca conseguiram completá-la, por que não se dirigiam a ela, e sim a boneca de porcelana que ela apresentara a ele. O “Daisuki”, aos poucos fora sendo substituído por uma declaração muito mais forte vinda de seu soldado. “Aishiteru, cho-cho”.


"Quero deixar bem claro que, o futuro desta gueixa não fora o mesmo de Madame Butterfly, e que fora escrita antes mesmo de eu tomar conhecimento da mesma"